domingo, 25 de novembro de 2007

um percursor da musica moderna

Para o compositor americano john cage, Satie foi essencialmente o inventor da música para mobilar e o autor de Vexations, primeira experiências sonoras exclusivamente “baseadas em intervalos de tempo”. Fala disso um pouco como um duplo de si próprio.

(…) De qualquer modo cabe-lhe realizar uma musica, quer dizer, uma musica que faça parte dos ruídos ambientes, que os tenha em conta. Suponho-a melodiosa, ela adoçaria o ruído das facas e dos garfos sem os dominar, sem se impor. Mobilaria os silêncios, por vezes penosos, entre os convivas. Poupar-lhes-ia as banalidades habituais Ao mesmo tempo neutralizaria os ruídos da rua que entram no jogo sem discrição. Seria isto responder a uma necessidade.
(…) Se se considerarem cronologicamente as obras de Satie (1886-1925), certas peças consecutivas parecem muitas vezes constituir pontos de partida absolutamente novos. Encontrar-se-ão dois trechos tão diferentes que dão a impressão de não terem sido escritos pelo mesmo compositor. Pelo contrário, de tempos a tempos, obras sucessivas são tão semelhantes, tão por vezes quase idênticas, que fazem pensar nas exposições anuais dos pintores e permitem aos musicólogos distinguir períodos de estilo. Os especialistas dedicam-se a fazer análises generalizadas das questões harmónicas, melódicas e rítmicas com o objectivo de mostrar que em Socrate estão presentes todos estes princípios formais, definidos e reunidos de uma maneira homogénea. (como convém a uma obra-prima). Deste ponto de vista de especialista, Pierre Boulez tem razão. As harmonias de Bom Maitre, as suas melodias e ritmos já não têm interesse. Dão prazer àqueles que não têm mais nada com que ocupar o tempo. Perderam o dom de irritar. Na verdade, não se poderia suportar uma execução de Vexations (que na minha opinião, dura vinte e quatro horas: 840 repetições de um trecho de 52 compassos de estrutura repetitiva A, A1; A1, A2; tendo cada A duração de 13), mas para quê pensar nisso?
(…) O artista conta: 7, 8, 9, etc. Satie é perfeitamente imprevisível, surgindo sempre do zero: 112, 2, 49, sem etc. A ausência de transição é característica não só entre as obras acabadas, mas nos cortes, pequenos ou grandes, no interior da mesma obra.
(…) Não é isto uma questão de vontade, quero dizer, de prestar atenção aos ruídos das facas e dos garfos, aos ruídos da rua, de os deixar entrar? (Ou então chamem a isto fita magnética, musica concreta, musica de mobilar. é a mesma coisa: trabalhar em relação à tonalidade e não apenas em convenções discretamente escolhidas).
Porque razão é necessário prestar atenção ao ruído das facas e dos garfos? Satie di-lo. Tem razão. Caso contrario a musica deveria ter muros para se defender, muros que não são só necessitariam constantemente de reparação, mas que, mesmo que fosse apenas para ir buscar agua, era preciso transpor, convidando ao desastre. Trata-se evidentemente de pôr as coisas que nos propúnhamos fazer em relação com as coisas em redor que não faziam parte do que nos haviam proposto fazer. O denominador comum é zero, onde o coração bate (ninguém faz circular o sangue de propósito).
Evidentemente “que é uma escola”. Este ponto de partida do zero.
(…) Para uma pessoa se interessar por Satie, é preciso começar por estar desisteressada, aceitar que um som é um som e que um homem é um homem, renunciar às ilusões que temos sobre as ideias de ordem, as manifestações de sentimentos e tudo o mais das arengas estéticas que herdamos.
Não se trata de saber se Satie é válido. Ele é indispensável

John Cage

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